Se você não segue o sistema, te chamam de "sistemático".

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Frescor Noturno

 


Dentro das minhas veias
só há grafite

Se removeres a nata
da líquida prata
verás meu rosto
por cima da máscara

Me deixes sozinho (!)
Gosto de escovar meus dentes em paz
(demoradamente) (!)

Ontem mesmo
eu vi um
salgueiro

Achas que ele
chorava (?)
Ele ria
ria (...)
ria de mim (!)

E pensava (:)
"lá vai o tolo 
que amou a brisa"

Sim (!) Tu és mera brisa
vento noturno (...)
ar (!)

E eu preciso
ficar só (!)
Eu preciso
respirar(!)



.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

A Flor do Saber

 



Tudo o que não vi,

 aquilo que não sei,

 que não vivi,

                          para minha desesperança,

   é como um oceano azul imenso e desconhecido,

que ri de onda em onda,

a debochar de minha    pequenez e clara ignorância.

Ainda assim, tento a cada instante, afogar-me no conhecimento infinito,

como se loucamente, meu âmago pudesse sorver o que a mim não fora concedido:

colher em imaginárias peneiras, o mistério que aos loucos enlouquece;

a certeza de que tudo é incerto.

Sim, eu devia ter contentado-me em olhar os frutos da terra, a acridade dos amores,

a delícia de ter amado, com sorte, a recíproca espontânea.

Mas quis mais do que a mim me bastava, amei mais do que precisava, desejei mais do que merecia.

 E quanto menos as flores se abriam na garganta de um moinho estranho,
mais flores eu colhia no campo, em busca de colher- te.
Mas tu não foste capaz de me amar como as flores vulgares,

talvez porque foste a pitonisa e visionária. 
Não sei. 
Dou testemunho de que nada sei desse amor 
que um dia partiu, e a mim me partiu.

E hoje ando só pelos campos ressequidos, 
em busca    da metade que me espera,
( essa metade desesperada).



.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Algo Sonhado

 



Um círculo de fogo
rodopiou nos meus sonhos

Não era relâmpago (...)
raio bola ou estrela que cai
que sobe ou que  assusta (!)

Era algo com sabor de saudade
algo meigo
provocando-me na alma 
o remorso do "tardio
a soda da ausência
e o tártaro da vontade"

Era assim
como um grito ou um soluço reprimido

Alguém cuja língua fora decepada
tentando dizer : "Vem (!)"

E brotava-me uma agonizante
sensação de impotência
porque este círculo era sem nome
apenas gritava e girava velozmente
apossando-se da forma de um som
encerrado dentro de uma esfera líquida flutuante

E pensei (:)
"Meu Deus (!)
De onde veio isto
que me corrói o peito como uma oxidação (?)

Qual a cor dos olhos deste ser?
Terá a poesia como combustível esta nave (?)

Será um fio do tecido ligado ao céu (?)
Será um luto
um natal sem nada
um rio
um presságio (...)
alguém triste e com frio (...)
será um véu (?)

Ou é coisa que traz dia
alegria
estrela da manhã (...)
borboleta azul que ao meu sono
abranda e amacia (?)

Parece algo triste
parece nacos de esperança (!)

Mas (...)
também remete-me a um campo salpicado
por minúsculas flores vermelhas
ou quiçá
uma prece de criança

Não é triste (!)
Só preenche o
meu peito de vazio de vontade
e de segredos sobre a dor

Olhei novamente o céu sangrento do  crepúsculo mas (...)
o círculo se foi para onde fogem todos os orgasmos
toda a pureza inerente à juventude

Migrou a "Coisa" para onde
vão todos os amores não vividos (!)

Desde então
sinto-me roubado
subtraído
abandonado num deserto 
onde o preenchimento
é flor querendo se pintar (...)
borboleta voando pro alto-mar

E o que insiste
é o desejo de inquirir este "Algo"
e trêmulo indagar (:)

Quem tu és (?)


.

terça-feira, 23 de abril de 2024

A Excomungada



Malcontida no guizo corpóreo, 
a fera quer fremir.
É gérmen do cacho de uvas,
sino da videira tangendo,
e vidar o suco
para a semente parir.

"Golfinhoto" ou "crocofante"
cujo aquário é o lagar,
salta embalde,
ação sem cor,
embora gritante.

Coração não arrefece.
Da flor azul aos frutos síliquas
do alto da palissandra,
a semente quer se lançar.

O vento sabe:
se ferido o tronco da mangabeira,
dele o leite borbotará.

Então,
iniciemos o pugilato bacântico,
ó mênade do tantra, do pompoar,
calca-me na face o salto
fictícia rainha de sabá.

Ora exilada do éden,
albergada no jardim de Epicuro
a cobra rasteja por entre os morangos
ainda humilhada.

Vem o boto cor-de-rosa
soerguer com o focinho
a aba-do-chapéu branco.

Shiva e Shakti...
sejamos híbridos e livres
na dança nupcial.

Eis a palavra de segurança
revelada com a pedra da roseta:

Eu sei que buscas pela dor
um efetivo amor, paz e
um simples carinho,
ambos, nós dois queremos,
a pedra filosofal.

Perdida em voraginosas brumas,
onde agora te mortificas, excomungada?

Minha sombra acompanha os
rios subterrâneos, mas,
nem desfalecida no tártaro
ela te encontra a ti.

Não morras sem mim!
Perdura!
Dar-te-ei da vida o sangue,
que o orgasmo perde
e não segura.

Ainda que eu dominasse
a última flor do lácio,
nós dois nos tornaríamos
o bode dos que
fazem a prédica copiosa.

Ainda que nós arrependêssemos
dos instantes da "maithuna"
diante do relicário,
comunhão, simbiose
cafrice e humilhação,
qual de Leopold o romance...

também a bela seria
transformada em fera.

Morramos juntos maldita!
Morramos com os graves gemidos
da carne, na teofagia dos lobos,
essa carne que abafa
os acutíssimos gritos seráficos,
na ascensão da serpente de fogo.





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segunda-feira, 22 de abril de 2024

TU


Faço das coisas secundárias,
o que não posso fazer com o primor.
Expressão de poesia e arte,
congelamento da harmonia pura,
ou puro disfarce da dor.

Mas tudo que eu falo é "mentira",
devaneios da ilusão.
Só me acreditem quando eu
estiver silente, submerso
em contemplação.

Porque a mulher que eu amo é
aquela que alça-me da derrocada,
quem é digna das declarações poéticas,
esta que eu chamo de minh'alma,
ou simplesmente de amada.


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domingo, 21 de abril de 2024

SIDARTA



Por tua causa,
por efeito de ti...    
fiz o "voto do sol".

Suportei a dor de ser erguido do chão
por anzóis, pelos mamilos;
não antes de ser
humilhado como um "mustang" capturado,
como um cão ou bandido

Delírio...

Vi-me sendo sepultado em Portugal, 
sendo a minha cova
a boca da "serpente ctônica".
Escorregando por suas entranhas escuras,
fui parar na lagoa azul da Islândia.

Ergui-me ainda confuso,
entre os acalmados
banhistas das águas termais,
e disse solenemente:

Atenção:
Atenção:

De onde eu venho,
encontrei mulheres falsas,
fofoqueiras, gente de baixo nível.
Mas entre vós, eu busco
aquela que é o reflexo de minh'alma.
Desconheço a cor de seus cabelos e olhos,
jamais contemplei a formosura de seu corpo,
mas sei que ela tem um sangue azul
e um caráter real.
Já sobrepujei os nove vermes de Re-stau,
dou-vos por oferenda uma porção
do que sobrou do meu pranto: o sal.

Usai para aveludar a vossa tez, meus amigos,
para que nunca fiqueis como eu,
um "Ulísses" ou um "Tristão" mendigo,
um ex-conde do Principado,
um "samana" sem sorriso.

Mas por favor!
Vós que tendes amor,
queirais  informar-me: Há por aqui
uma mulher chamada Nirvana,
Sophia, também conhecida por Paz?

Diante do silêncio,
depositei o sal ao pé de um moinho,
e parti, vendo mulheres nuas
e sem cabelos me olhando tristemente,
como se não pudessem se
transformar em ursos azuis.

Não desejando reencarnar,
fui aceito como ajudante
do "Barqueiro Caronte".
Só então, deixei de buscar,

e todo o amor que eu
houvera reprimido,
passei a distribuir,
com todos os mortos,
eu quis a todos amar.

Hoje, escrevo poemas,
como se minha alma
ouvisse entre uivos de lobos,
entre sons de cem tambores
e flautas de bambu,
o coro de muitos "Siouxs" irmãos,
acolhendo-me como digno guerreiro.

Em tudo, ouvindo o som do rio e do coração,
aprendi que o amor não se busca,
o amor é flor de se dar,
como a alguém se daria
 a flor de Sidarta.



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sábado, 20 de abril de 2024

A Insolólita Busca do Amor

 



Vai, segue só,
do espírito o  sopro
ascendente.

Desce onde queres descer
decidido do querer.

Viaja pelas ocas
escarpas do tempo
espirala nos momentos teus,
como na busca do rebento por apoio,
como na minha insólita busca...
por Deus.

Vai,
até o fiel do meu coração,
sobe pelo vórtice à mente
ou desce seguindo
o corrimão da serpente...
no espaço de meu porão.

E como a ninfa dos meus sonhos,
finda esse mortório
de insustentável pureza,
em paga da sangria,
enquanto não desfrutei da floresta,
enquanto cativo na cabeça.

E na doce penumbra esverdeada,
sente tudo que quiseres,
depois desapega-te.

Mas depois deste pecado
esquece que te amei,
me esquece.

E segue só
do espírito o sopro
ascendente.
                      Adeus!


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