Se você não segue o sistema, te chamam de "sistemático".

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Soneto do Amador



Bem sabes que sou um amador 
apaixonado até morrer
que não deixa o amor arrefecer
e ganhar têmpera que dura na dor.

Só quem passou a entrever
é o profissional letargo
que na rotina fez mestrado
e reprovado foi no prazer.

O fogo deixa o ferro doce
luzente, dúctil e maleável
como se ouro puro fosse.

Metal frio tende a enferrujar
serei sempre um amador de ti
um aprendiz no quesito amar.



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quarta-feira, 1 de maio de 2024

Decálogo do Quando

 

Quando lhe dão a pseudoliberdade das drogas (...)
dão-lhe a prisão do vício

Quando lhe dão a crença em um santo (...)
dão-lhe dois demônios de brinde

Quando lhe ofertam o prazer da beleza (...)
você ganha uma carcaça pra zelar

Quando lhe são fartos os bens (...)
os maus são-lhe um fardo

Quando lhe dizem que é poética a pobreza (...)
as letrinhas miúdas dizem (:) "escravidão social"

Quando lhe deixam ficar famoso (...)
você tem que se esconder

Quando lhe dão o riso (...)
obviamente dão-lhe o pranto.

Leve um amor (...)
Grátis uma dor
 
Quando lhe mandam correr atrás do tempo (...)
no entanto
o tempo corre de você

Quando lhe dão conselhos de graça (...)
você é contemplado com a desgraça (!)


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As Uvas



Um metrô levou-me
do paraíso ao inferno
como um sopro virginal  puro e verdadeiro

E (...) se dantes o inferno
tinha um certo calor de sangue
agora (...) acabaram-se os combustíveis
do mel negro humano

Há sim um gelo entusiasmado
com o eco das dores
dantescas e crônicas (!)

Maldito quem teme a morte (!)
Pois até mesmo o Francisco
a chamou de irmã (...)

e ferve este sangue
quando eu sinto 
que o pretexto da distância
e da ira ilógica

justifica a jusante
do prazer nebuloso
Platônico como a própria
meiga despedida (!)

Os olhos pequenos e úmidos (...)
os cabelos como as tormentas (...)
seu perfume e os sonhos reprimidos
ávidos como o bêbado a oscilar
por entre carros inesperados
na via de trânsito rápido (...)

Tudo (!) 
Absolutamente tudo
a morte estanca (!)



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segunda-feira, 29 de abril de 2024

Elevação



Sou um homem triste,
cujo coração se eleva lentamente de amor
qual uma bolha prisioneira,
numa garrafa de mel.

Sinto-me às vezes,
envolvido por doce esperança,
ora pela espera
que emprestou do absinto, o seu amargor.

E nesse aljube de ilusões
tenho dois corações marchetados
de tristeza tamanha.
Um, é o que contra a minha vontade
insiste em bater,
o outro, é o que apanha e continua a sofrer.

Dispensa saberes vulgares,
se engana com falsos saberes.
Tartamudo com os de classe,
gentil, jamais os fere.

Contudo, me amar quem há de?
Sou um homem triste,
cujo coração anela por ti.



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domingo, 28 de abril de 2024

O Lobo Negro



O lobo negro
encontrava
coiotes,
hienas,
cadelas...

mas nunca
havia encontrado
nas estepes,
uma loba.

E quando surgiu
de repente
o belíssimo animal no cio,
(uma loba branca)...

De tão cansado e,
pensando se tratar
de miragem,

daqueles sonhos tantos
só mais uma imagem...

fitou a lua cheia,
uivou como se chorasse,
e cabisbaixo
partiu.



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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Frescor Noturno

 


Dentro das minhas veias
só há grafite

Se removeres a nata
da líquida prata
verás meu rosto
por cima da máscara

Me deixes sozinho (!)
Gosto de escovar meus dentes em paz
(demoradamente) (!)

Ontem mesmo
eu vi um
salgueiro

Achas que ele
chorava (?)
Ele ria
ria (...)
ria de mim (!)

E pensava (:)
"lá vai o tolo 
que amou a brisa"

Sim (!) Tu és mera brisa
vento noturno (...)
ar (!)

E eu preciso
ficar só (!)
Eu preciso
respirar(!)



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quinta-feira, 25 de abril de 2024

A Flor do Saber

 



Tudo o que não vi,

 aquilo que não sei,

 que não vivi,

                          para minha desesperança,

   é como um oceano azul imenso e desconhecido,

que ri de onda em onda,

a debochar de minha    pequenez e clara ignorância.

Ainda assim, tento a cada instante, afogar-me no conhecimento infinito,

como se loucamente, meu âmago pudesse sorver o que a mim não fora concedido:

colher em imaginárias peneiras, o mistério que aos loucos enlouquece;

a certeza de que tudo é incerto.

Sim, eu devia ter contentado-me em olhar os frutos da terra, a acridade dos amores,

a delícia de ter amado, com sorte, a recíproca espontânea.

Mas quis mais do que a mim me bastava, amei mais do que precisava, desejei mais do que merecia.

 E quanto menos as flores se abriam na garganta de um moinho estranho,
mais flores eu colhia no campo, em busca de colher- te.
Mas tu não foste capaz de me amar como as flores vulgares,

talvez porque foste a pitonisa e visionária. 
Não sei. 
Dou testemunho de que nada sei desse amor 
que um dia partiu, e a mim me partiu.

E hoje ando só pelos campos ressequidos, 
em busca    da metade que me espera,
( essa metade desesperada).



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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Algo Sonhado

 



Um círculo de fogo
rodopiou nos meus sonhos

Não era relâmpago (...)
raio bola ou estrela que cai
que sobe ou que  assusta (!)

Era algo com sabor de saudade
algo meigo
provocando-me na alma 
o remorso do "tardio
a soda da ausência
e o tártaro da vontade"

Era assim
como um grito ou um soluço reprimido

Alguém cuja língua fora decepada
tentando dizer : "Vem (!)"

E brotava-me uma agonizante
sensação de impotência
porque este círculo era sem nome
apenas gritava e girava velozmente
apossando-se da forma de um som
encerrado dentro de uma esfera líquida flutuante

E pensei (:)
"Meu Deus (!)
De onde veio isto
que me corrói o peito como uma oxidação (?)

Qual a cor dos olhos deste ser?
Terá a poesia como combustível esta nave (?)

Será um fio do tecido ligado ao céu (?)
Será um luto
um natal sem nada
um rio
um presságio (...)
alguém triste e com frio (...)
será um véu (?)

Ou é coisa que traz dia
alegria
estrela da manhã (...)
borboleta azul que ao meu sono
abranda e amacia (?)

Parece algo triste
parece nacos de esperança (!)

Mas (...)
também remete-me a um campo salpicado
por minúsculas flores vermelhas
ou quiçá
uma prece de criança

Não é triste (!)
Só preenche o
meu peito de vazio de vontade
e de segredos sobre a dor

Olhei novamente o céu sangrento do  crepúsculo mas (...)
o círculo se foi para onde fogem todos os orgasmos
toda a pureza inerente à juventude

Migrou a "Coisa" para onde
vão todos os amores não vividos (!)

Desde então
sinto-me roubado
subtraído
abandonado num deserto 
onde o preenchimento
é flor querendo se pintar (...)
borboleta voando pro alto-mar

E o que insiste
é o desejo de inquirir este "Algo"
e trêmulo indagar (:)

Quem tu és (?)


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