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quarta-feira, 3 de julho de 2024

Cora Coralina Voltou


Cora Coralina 
teve que ir embora de Goiás

Uma cidade que ainda
tinha nas pedras dos becos
o sal do suor dos escravos

e uma cidade com
"cores significativas
nas janelas"

Como poderia essa
gente compreender e
aceitar o "ouro" da poesia?

Cora Coralina
teve que ir embora de Goiás

Sua poesia não seria reconhecida
seu saber era considerado pedante pr'aquele tempo
sua cabeça estava muitos anos adiante

Foram mais de quarenta anos "no deserto"
longe da poesia viva de pedras construídas
quarenta anos de exílio
de nostalgia e enfado
com a lembrança
do casarão da ponte
sua janela para o rio
de águas cristalinas

Mais de quarenta anos
longe da diversidade e opulência
da flora de seu vasto quintal
com o aroma do poejo
da hortelã e do funcho
(o que brotava espontaneamente
nas inflorescências globosas
entremeio às gramíneas e musgos)

Cora longe do aroma 
do arroz com pequi e cheiro-verde
longe dos doces com os frutos do cerrado
que ferviam nos tachos de cobre espelhados
(cujo cheiro bom ia de casa em casa sem pedir licença)

Cora longe da fonte 
de águas puras que brotava
em seu porão 

Cora longe dos cachos 
de flores em profusão

Cora Coralina
teve que ir embora de Goiás

Quem pode avaliar 
os danos dos anos de saudades
do ar puro vindo da Serra Dourada (?)

Quem  pode avaliar
quantas foram as  lágrimas  escondidas
enquanto trancafiada num ambiente paulistano
no frenesi de uma das maiores revoluções 
inda essa vida a lhe subtrair filhos e marido (?)

Mas aos cinquenta anos de idade
ela perdera repentinamente o medo de viver

Cora Coralina
teve que ir embora um dia
Ah quantos ais
quantos ais (!!) 

Mas a poetisa voltou 
(embora na última página
do conto existencial)
para abrir as mentes e os corações

Mas ó que ironia (!!!)
  
como Drummond dizia
"voltou como a pessoa mais importante 
do estado de Goiás"


.

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