Se você não segue o sistema, te chamam de "sistemático".

terça-feira, 25 de novembro de 2025

só um sino, um sinal

 


Ah! Má sorte!
Somente uma
mancheia de um
sal extraterreno,

para limpar-me
esta mancha
na debulhada face,
cuja ácida lágrima
fê-la feia!

Tão forte é
o quebranto,
que já nem tapo
inutilmente o Sol
quando releio
os poemas de Ovídio.

E tu, pobre calhandra
a fugir do gavião?
Antes do feitiço,
não esperou-te
o singrante navio.

E nadaste,
nadaste,
em vão!

E se um dia
quando
sobrevoares
a Mégara
em ruínas,

que tu lembres
das pedras
que atiravas no muro
tangendo a lira.

Quão triste é o
meu fim em todas
as histórias de amor!

Sei que esperavas
por um príncipe,
e que te chegara
este sapo,

cuja alma sofrida,
só o meu cão 
reconheceu.

Na Bretanha
estou a morrer
envenenado e

anelo ver-te
pela última vez.



Mas cuidado!
Cuidado com
aquela cujas
brancas mãos,
são imunes ao sal.

Por seus lábios
que gotejam cicuta,
ouvirei ao morrer que,

negra, era a bandeira
a drapejar em sua nau
(e que, indiferente,
tu não quiseste
me rever).



.

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Sinto muito

 

Eles dizem que os anjos podem

desaparecer de repente

sem muita lógica


Talvez os anjos não sintam a morte

e o desespero dos viciados

no elixir do amor

  

Eles dizem também

se você tivesse contato com um anjo

Você nunca mais seria o mesmo


Eu vejo raios de luz

no lado direito da minha cabeça

Sinto falta de coisas angelicais



.


sexta-feira, 14 de novembro de 2025

E lá vou eu!






Só não sou santo
porque sou criança
e os santos são muito sérios

eu aparento ser sério

mas o tempo todo eu brinco

brinco de esconde-esconde

quando evito falar
ou chamar a atenção

de cabra-cega quando

finjo não perceber a cegueira do mundo

brinco de carrinho quando dirijo

de médico quando a saúde transborda-se
brinco de trabalhar quando trabalho

mas eu também às vezes choro 

choro quando todos gargalham
enquando devoram aos pobres animais

choro quando estou

longe dos teus seios
ou num colo que não é o teu

choro quando se apagam as luzes

da esperança de paz
e principalmente
quando não tenho com quem brincar

então eu brinco  com a imaginação

e vou até um palácio pra te salvar

quem me vê diz que estou sempre distante

distante que nada
não dá nem dois palmos
o percurso entre a cabeça e o coração



.

terça-feira, 4 de novembro de 2025

DOCEMENTE



Eu sou aquele que imita o real
afasta-se da realidade
e das ideias verdadeiras

eu também sou aquele que imita e seduz
ou artificialmente se apropria da forma
e da verdade ideal

mas eu não sei tecer horas
como quem faz algodão-doce
nem posso viver docemente
sem plantar minha semente
(mesmo em chão infértil) 
e apenas sonhar com as primícias do prazer

eu posso ter a vida musicada
com seu ritmo rotina e balada
mas poderei se quiser
ouvir a música das esferas
que na vida soa um Nada

eu tenho na poesia as sete chaves da catarse
mas também tenho
como mera realidade
as ideias que considero concretas

eu quero o corpo
mas não rejeito a alma
eu quero a morte
pra apalpar a vida

eu não quero morrer para viver
nem quero viver só pra morrer
um poeta precisa concretizar
seus sonhos mesmo que estes

se derretam sobre língua




segunda-feira, 3 de novembro de 2025

ALÉM DISSO


Os cantos do mundo
são vertiginosos

cair do mundo porém
não é menos seguro 
do que estar no mundo

mas nem tudo está perdido
além do sono
existe a morte

além das religiões
existe a intuição

além da letra
existe a melodia

além dos alto-falantes
existe a caatinga

além das besteiras feitas
existem a maturidade 
e a persistência


além do infinito
existe o fim
(e vice-versa)

além da briga 
existe a conversa

além dos terremotos
existem as ondas e o surf
(existem as vastas terras 
as motos
as bicicletas)

além da lenda
existe a fé

além da fé
existe o Amor

Além do Amor (...)
Nada (!)


.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

O MENINO ENVELHECIDO

 


O mais raro
o mais caro

o método
o todo

foi assim que o raio
carbonizou aos que
brigavam antes da tormenta

então calou-se
escalou rumo ao centro
rumo a si

esqueceu o externo
resignou-se
abotoou seu próprio terno preto
calçando as luvas brancas

louvou seu oxítono sol tropical
morrendo lento
como esses mordomos-mores mortos
suspeitos
calados até no pensamento
cuidando do envelhecimento
do vinho tinto da adega

um grande mordomo
corpulento
corpo muito lento
sem vento
organizado e atilado

como um nobre
que nunca foi mandado
num momento dado
ao sonho ousado
da fábula
que sumiu


.